Os áudios que mostram ministros do Superior Tribunal Militar (STM) falando sobre práticas de tortura em mulheres grávidas durante a ditadura militar, divulgados neste domingo (17/4) pela colunista Miriam Leitão, de O Globo, respondem ao deboche do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sobre a prisão da jornalista. O material foi disponibilizado pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), duas semanas (3/4) após o deputado filho do presidente Jair Bolsonaro (PL) postar a seguinte mensagem no seu twitter: "Ainda com pena da cobra".
Em 2014, Miriam Leitão relatou ter sido vítima de tortura durante a ditadura militar. "Dois dias depois de ser presa e levada para o quartel do Exército em Vila Velha, cidade próxima a capital Vitória, no Espírito Santo, a jornalista que na época era militante do PCdoB, foi retirada da cela e escoltada para o pátio. Seu suplício, iniciado no dia 4 de dezembro de 1972, até ali já incluía tapas, chutes, golpes que abriram a sua cabeça, o constrangimento de ficar nua na frente de 10 soldados e três agentes da repressão e horas intermináveis trancada na sala escura com uma jiboia. A caminho do pátio escuro, os torturadores avisaram que seria último passeio, como se a presa estivesse seguindo para o fuzilamento", relatou na época à reportagem do Globo.
As gravações inéditas mostram que o STM sabia que pessoas eram torturadas pelo regime, incluindo mulheres grávidas. Os registros vieram à tona duas semanas após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) colocar em dúvida a tortura sofrida por Miriam Leitão, presa e grávida.
"Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente", diz o ministro Waldemar Torres da Costa em um dos áudios de 13 de outubro de 1976.
Pouco tempo mais tarde, no dia 24 de junho de 1977, o ministro Rodrigo Otávio Jordão Ramos fala no tribunal sobre a tortura de mulheres grávidas. O ministro narra que Nádia Lúcia Nascimento, presa política pertencente ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi forçada a abortar após “choques elétricos no aparelho genital”. "Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-DOI", disse o general na ocasião.
O militar também narra a tortura sofrida por outra presa política. “Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”.
Em maio de 2013, Nádia Lúcia Nascimento fez um depoimento na Comissão estadual da Verdade Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ela narrou que pertencia ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e foi do Rio de Janeiro para São Paulo com o objetivo de escapar das perseguições que aconteciam no seu estado natal. Inseriu-se na vida regular, mas colaborando com o MR-8.
Descoberta, foi presa em abril de 1974 e levada para os órgãos de repressão. Na época, já passava pelo sofrimento de ter seu companheiro preso e torturado. Na prisão também foi vítima de torturas e ameaças de estupro e teve um aborto provocado pelos maus-tratos e a aplicação de injeções pela equipe chefiada pelo capitão Ubirajara. Nádia se emocionou ao recordar esses dias de “inferno” e o esforço para preservar os companheiros que ainda estavam em liberdade.
A idolatria do presidente Jair Bolsonaro ao falecido torturador general Brilhante Ustra, a notícia da morte do General Newton Cruz, na sexta-feira (15/4), e os constantes embates sobres as violações cometidas pelos militares durante a ditadura (1964 a 1985) são um convite à reflexões sobre o passado, o presenta e o futuro do Brasil.
Nunca estivemos tão próximos aos retrocessos quanto agora. É uma escalada crescente e cada vez mais perversa. O tempo rodou num instante e aproximou os golpes de 1964 e 2016. O impeachment que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, a posse do seu vice, Michel Temer, a prisão ilegal de Lula e a eleição de Bolsonaro ligam dois períodos nefastos da nossa história. Os objetivos e os propósito são os mesmos.
As eleições de outubro se transformaram na grande oportunidade do Brasil reescrever a sua história, resgatando conquistas importantes para a cidadania, a partir do fim da ditadura e da redemocratização do país.
Com informações da Alesp e do jornal O Globo.